Ao buscar compreender
as transformações e os impactos gerados pela modernidade na desorganização da
vida em sociedade, Émile Durkheim, sociólogo francês morto em 1917, já
destacava a importância do que denominou de “consciência coletiva” como algo fundamental para a “saúde” de uma
sociedade.
A consciência coletiva,
por sua vez, seria o conjunto de crenças, normas, moral, ideias e sentimentos
comuns a média dos membros de uma sociedade, destinados a orientar a conduta
social. A sociedade controla o comportamento dos indivíduos através de
instituições sociais como a família, a igreja, escola, sistema político e
judiciário (que executa leis elaboradas por deputados e senadores), empresas
entre outras.
Para Durkheim, as
regras em uma sociedade teriam a função de definir o parâmetro de conduta dos
indivíduos, estabelecendo o que é considerado certo ou errado, reprovável,
imoral ou criminoso. As normas sociais são,
portanto, “liga” que une a sociedade em torno de determinados valores. Se por
um lado, questionamos as regras, o que aconteceria em uma sociedade sem regras
ou leis, aonde todos poderiam fazer o que bem entendessem, indivíduos que,
guiados pela sua própria vontade, teriam a liberdade para fazer o que lhes
“desse na telha”. Será este o rumo que nossa sociedade está tomando?
Durkheim denominou
anomia, a ausência de regras instituídas e orientadoras da conduta dos
indivíduos. Uma sociedade sem regras claras estaria, segundo ele, em um estado
de anomia. O que seria de alguém que se desvinculasse das instituições sociais
para viver de maneira livre e sem regras, qual seria o limite para essa pessoa?
É possível uma sociedade sem hierarquias, em que não respeitamos a autoridade,
a começar pela família.
Vamos comparar a
sociedade como o tráfego de trânsito. O que aconteceria se as pessoas não
respeitassem as placas, desobedecessem os sinais, avançassem preferenciais,
trafegassem fora de suas faixas, afinal, as vias publicas são locais onde
transitam pessoas, animais e evidentemente outros veículos.
Assim como os sinais
que controlam a circulação de veículos, as regras são fundamentais para a
convivência em sociedade. Para Durkeim nas sociedades modernas capitalistas, as
instituições estariam enfraquecidas, fracassando em seu papel de educar, punir,
em controlar a conduta de seus membros em sociedade.
Nas sociedades
contemporâneas, observamos o triunfo da racionalidade e do individualismo, onde
o lema é cada um por si, o ter para ser, o individual em detrimento do
coletivo, vemos também o mau uso da inteligência humana para criação de armas
cada vez mais potentes e destrutivas, de drogas que curam e que matam, além da
forte contestação de valores tradicionais numa sociedade em constante mudança. A
falta de perspectivas e a perda da identidade provocada por intensas
transformações ocorridas no mundo social moderno levaram também ao individualismo,
a banalização da violência e o desrespeito à vida em uma sociedade cada vez
mais violenta em que as pessoas procuram
cada vez menos o diálogo para solucionar seus conflitos. Para muitos
estudiosos, a anomia leva a comportamentos antissociais e criminosos.
A modernidade e seus
intensos processos de mudança não forneceu novos valores que preenchessem os
anteriores, capazes de regular a existência social, ficando os indivíduos
desprovidos de referências normativas e valorativas que orientem suas condutas.
É nesse aspecto que a anomia representa um grande risco de desagregação social.
Durkheim concordava que
o crime é um fato social normal presente em toda e qualquer sociedade. Sua função social é reunir o grupo
em torno de uma conduta socialmente repudiada por seus membros. O crime é tão
necessário para o funcionamento das sociedades quanto é a repressão da
criminalidade. A sociedade “adoece” quando a criminalidade atinge níveis
alarmantes, ao passo que a mesma não dispõe de meios para exercer o controle
sobre a criminalidade punindo a conduta considerada criminosa, sinalizando o
que, para muitos, pode ser interpretado como “o crime compensa”.
Ao analisarmos o caso
do Brasil, cada um de nós devemos nos perguntar até que ponto somos
responsáveis por problemas sociais como a corrupção e a violência, quando
compartilhamos de uma cultura em que práticas corruptas e violentas são aceitas
e legitimadas por grande parcela da população, que concorda ser normal roubar, adeptos
do “não voto em quem não me dá nada”, do jeitinho brasileiro em que somos
ensinados desde crianças que passar a perna e levar vantagem em cima dos outros
é normal e aceitável, afinal, “o mundo é dos espertos”. Somando a uma sociedade
em que a corrupção é cultural, podemos citar algo ainda mais perigoso, a perda
da capacidade de se indignar ou mesmo reprovar tais atos, taxados como normais
“que sempre existiram e sempre existirão”, num país onde as instituições
apodrecidas e corruptas como o congresso e o judiciário são apenas um reflexo
do que a própria sociedade é, do que as pessoas são, aceitam e praticam em suas
vidas. Se cada sociedade tem o governante que merece, todos pagam o preço.
Se não nos indignamos
com a corrupção cada vez mais escancarada de políticos bandidos, o mesmo
acontece com a violência. Crimes bárbaros acontecem toda hora, apresentados
pela mídia como mais uma estatística. Brigas, mortes, discussões são filmadas e
expostas na internet, em que criminosos e assassinos aparecem cada vez mais
ousados e sem medo, se orgulhando de seus atos. No mundo virtual não faltam
vídeos em que pessoas aparecem incentivando a violência, com a qual muitos
parecem até se alegrar. Indivíduos parecem felizes ao presenciarem cenas em que
pessoas agridem e são agredidas, a destruição e a humilhação do outro é motivo
de piada e diversão para muitos, não sendo comigo, o resto não importa.
Refletir sobre o que
acontece hoje em nossa sociedade e o que será de nosso futuro é uma das tarefas
da sociologia, como uma ciência que, mais do que produzir teorias para serem
engavetadas, pode contribuir para buscar soluções que ajudem a melhorar a convivência
dos indivíduos em sociedade, bem como pensar em alternativas que busquem
minimizar os problemas sociais que nosso país enfrenta.
Por fim, se por um lado
somos controlados pelas normas que servem para legitimar interesses de
determinados grupos políticos e econômicos, nós também encontramos formas de
nos opor, de resistirmos a elas, contestando as verdades dominantes, criando
novas normas pautadas em novos valores. Sabemos que a sociedade é dinâmica, ela
muda e é feita do conflito. O conflito é positivo quando contribui pensar em
soluções para resolver os problemas, por outro lado, o grande problema surge
quando a sociedade não consegue trabalhar o conflito, gerando situações
extremas de intolerância e violência nas relações humanas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BOMENY, Helena;
FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos
modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do Brasil, 2010.
DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 12. ed. São
Paulo: Melhoramentos, 1978.
__________. As regras do método sociológico. São
Paulo: Martin Claret, 2001.
SANTOS, Pérsio de Oliveira. Sociologia para o ensino Médio. São Paulo, Ática, 2008.